Metálogo: Quanto você sabe?
“Metálogo”, um diálogo fictício entre um pai e uma filha escrito por Gregory Bateson em seu livro Steps to an Ecology of Mind (1972) e reproduzido por Heinz von Foerster em seu artigo “Visão e conhecimento: disfunções de segunda ordem” no livro “Novos paradigmas cultura e subjetividade” organizado por Dora Fried Schnitman.
Filha: Papai, quanto você sabe?
Pai: Eu? Humm… tenho meio quilo de conhecimento.
Filha: Não se faça de bobo. Te pergunto quanto sabes realmente?
Pai: Bem, meu cérebro pesa cerca de um quilo e suponho que utilizo mais ou menos uma quarta parte… o que uso com um quarto de eficiência. Digamos, então, 250 gramas.
Filha: Mas sabes mais que o pai de Joãozinho? Sabes mais que eu?
Pai: Humm. Uma vez conheci um menino na Inglaterra que perguntou a seu pai: “Os pais sabem sempre mais que os filhos?” e o pai disse: “Sim.” A pergunta seguinte foi: “Papai, quem inventou a máquina a vapor?”, e o pai disse: “James Watt”, e então o filho replicou: “Mas por que ela não foi inventada então pelo pai de James Watt?”
Filha: Eu sei. Eu sei mais que esse menino inglês porque sei por que a máquina a vapor não foi inventada pelo pai de James Watt. Foi porque alguma outra pessoa teria que pensar alguma outra coisa antes de que alguém pudesse fazer uma máquina a vapor. Quero dizer assim – não sei –, mas teria que existir alguém que descobrisse primeiro o óleo antes que alguém pudesse fazer uma máquina.
Pai: Sim… isso é diferente. Quero dizer, que o conhecimento é algo que está tecido ou tramado, como uma teia e que cada pedacinho de conhecimento só tem sentido ou utilidade graças aos outros pedacinhos, e…
Filha: Acreditas que teríamos que medi-lo com um metro?
Pai: Não, não acredito.
Filha: Mas é isso que fazemos quando compramos um tecido.
Pai: Sim, mas não quis dizer que era realmente um tecido. Só parecido e certamente não seria plano como um tecido, senão em três dimensões… quem sabe quatro.
Filha: Que queres dizer, papai?
Pai: Realmente não sei querida, Só tentava pensar. … Me parece que esta manha não estamos funcionando bem. Que tu achas se tomarmos outra pista? O que devemos pensar e como estão tramados os pedaços de conhecimento uns com os outros. Como se ajudam uns aos outros.
Filha: E como fazem?
Pai: Bem… é como se algumas vezes dois conhecimentos se somassem, e então tens somente dois fatos. Mas outras vezes, em vez de somar-se eles se multiplicam… e tens quatro fatos.
Filha: não da para multiplicar um por um e chegar a quatro. Sabes que não dá.
Pai: Oh! … Sem duvida dá. Se o que temos para multiplicar são pedacinhos de conhecimento, ou fatos, ou algo semelhante. Pois cada um deles é um duplo de algo.
Filha: Não entendo.
Pai: Bem, pelo menos algo duplo.
Filha: Papai!
Pai: Sim. Pensa no jogo das Vinte Perguntas. Tu pensas em alguma coisa. Digamos que tu penses em “manhã”. Bom. Agora eu te pergunto: “O que tu pensastes e algo abstrato?” e tu respondes “Sim”, eu obtive dois pedacinhos (bits) de informação. Sei que é abstrato e sei que não é concreto. Ou, em outras palavras. Graças a teu “sim”, eu posso dividir pela metade o número de possibilidades do que pode ser essa coisa que tu pensaste. E isso é o mesmo que multiplicar por uma fração de um sobre dois.
Filha: Não é uma divisão?
Pai: Sim, é a mesma coisa. Quero dizer… bem… é uma multiplicação por 0,5. O importante é que não se trata de uma adição nem de uma subtração.
Filha: E como sabes que não e?
Pai: Como eu sei? … Bem, suponhamos que faço outra pergunta que divida as possibilidades entre as abstrações e logo outra. Com isso estarei reduzindo as possibilidades totais a um oitavo do que eram no começo. E duas vezes dois vezes dois é oito.
Filha: E dois mais dois mais dois é só seis.
Pai: Tá certo.
Filha: Mas papai, não vejo o que isso tem a ver com o jogo das Vinte Perguntas.
Pai: O importante e que se escolho acertadamente minhas perguntas, posso decidir entre duas vezes duas vezes duas vezes duas vezes vinte vezes sobre as coisas 220. Isso significa mais de um milhão de coisas nas quais poderias ter pensado. Uma pergunta basta para decidir entre duas coisas, e assim sucessivamente.
Filha: Eu não gosto da aritmética, papai.
Pai: Sim, eu sei. O trabalho com a aritmética é chato, mas algumas idéias são divertidas. De qualquer jeito, o que tu querias saber é como se mede o conhecimento, e se decides medir as coisas, sempre terminas na aritmética.
Filha: Mas ainda não medimos nenhum conhecimento.
Pai: Não. Eu sei. Mas já demos um passo ou dois para saber como medi-lo se quiséssemos. Isso significa que estamos um pouco mais próximos de saber o que é o conhecimento.
Filha: Seria um conhecimento engraçado, papai. Quero dizer, conhecer algo sobre o conhecimento. E a essa forma de conhecimento a mediríamos da mesma forma?
Pai: Espera um pouco – não sei – essa realmente e uma pergunta difícil. Porque, bem, voltemos ao jogo das Vinte Perguntas. O que nunca mencionamos e que essas perguntas tem que ser feitas em uma certa ordem. Em primeiro lugar as perguntas gerais de maior extensão e logo as perguntas mais especificas. Mas nos as havíamos contado todas da mesma forma. Não sei. Mas agora me perguntas se o conhecimento sobre o conhecimento tem que ser medido da mesma maneira que outro conhecimento. E a resposta certamente tem que ser: não. Veja: se as primeiras perguntas do jogo me indicam que perguntas fazer depois, então elas têm que ser em parte perguntas sobre o conhecimento. Indagam sobre o negócio do conhecer.
Filha: Papai, já existiu alguma vez alguma pessoa que mediu o que sabia alguém?
Pai: Ah, sim! Muitas vezes. Mas não sei muito bem como. Fazem mediante exames, testes e provas escritas, mas é como tratar de descobrir o tamanho de um papel atirando pedras.
Filha: Que quer dizer?
Pai: Quero dizer que se atiras pedras a dois pedaços de papel de uma mesma distancia e comprovas que acertas em um dos papeis com maior freqüência que em outro, então é provável que aquele que acertas com maior freqüência seja maior que o outro. Da mesma maneira, em um exame atiras um monte de perguntas aos alunos, e se comprovas que acertas em uma maior quantidade de pedaços de conhecimento em um aluno que em outro, então pensas que este estudante tem que saber mais. Esse é o fundamento.
Filha: Mas se pode medir assim um pedaço de conhecimento?
Pai: Certamente que sim. E ate pode ser uma boa maneira de fazê-lo. De fato, medimos dessa maneira uma boa quantidade de coisas. Por exemplo, julgamos se está forte ou não uma taça de café olhando a intensidade da cor negra, isto é, olhamos que quantidade de luz absorve. Em lugar de pedras atiramos ondas de luz. O principio é o mesmo.
Filha: Oh!… Mas por que, então, não medimos o conhecimento da mesma maneira?
Pai: E como? Com comprovações mediante questionários? Não… Deus nos livre! O que tem de ruim essas comprovações e que não levam em conta o que tu disseste, que existem diversas formas de conhecimento… e que existe um conhecer sobre o conhecimento. Teríamos que dar notas mais altas ao estudante que pudesse responder as perguntas mais amplas? Ou deveríamos ter diferentes tipos de notas para cada tipo diferente de pergunta?
Filha: Bem, de acordo. Façamos assim, e depois somamos todas as notas e então…
Pai: Não… não podemos somá-las. Poderíamos multiplicá-las ou dividir um tipo de nota por outro, mas não podemos somá-las.
Filha: E por que não, papai?
Pai: Porque… porque não poderíamos. Não me admira que tu não gostes de aritmética se não te ensinam estas coisas na escola… Que diabos então te ensinam na escola? Me pergunto para que acreditam os professores que serve a aritmética?
Filha: E para que serve, papai?
Pai: Não. Não vamos fugir da pergunta de como medir o conhecimento. A aritmética e um conjunto de truques para pensar com clareza, e a única graça que tem é a clareza. E a primeira coisa que temos que fazer para sermos claros é não misturar as idéias que são realmente diferentes umas das outras. A idéia de duas laranjas é realmente diferente da idéia de quilômetros. Porque de as somas, o único que obtém é uma confusão na tua cabeça.
Filha: Mas papai, eu não posso manter separadas as idéias. Deveria fazê-lo?
Pai: Não, não. Certamente que não. Combine-as. Mas não as somes. Isso e tudo. Quero dizer… se as idéias são números e queres combinar dois tipos diferentes, o que tem que fazer e multiplicá-las ou dividi-las por outras. E então obténs um novo tipo de idéias, uma classe nova de qualidade. Se em tua cabeça tens quilômetros, e tens horas em tua cabeça e divides quilômetros por horas terás “quilômetros por hora” isto é, velocidade.
Filha: Sim, papai. E que eu teria se eu as multiplicasse?
Pai: Bem… acho que terias quilômetros hora. Sim. Já sei o que isso significa. Quero dizer o que significa um quilometro hora. É o que pagas ao motorista do taxi. Um taxímetro mede os quilômetros e mede as horas, e o metro e o relógio combinados multiplicam os quilômetros hora por alguma outra coisa que transforma os quilômetros hora em dinheiro.
Filha: Uma vez fiz uma experiência. Queria ver se poderíamos pensar dois pensamentos ao mesmo tempo. Então pensei: “É verão” e pensei “É inverno”. E depois tentei pensar junto os dois pensamentos.
Pai: E… ?
Filha: Eu descobri que não estava tendo dois pensamentos. Só tinha um pensamento sobre ter dois pensamentos.
Pai: De verdade. É assim mesmo. Não se pode misturar os pensamentos; só podemos combiná-los. E em conclusão significa que não podes contá-los. Porque contar é, na verdade, somar coisas. E a maioria das vezes não se pode somar.
Filha: Então, na verdade temos somente um grande pensamento com muitíssimas ramificações, milhares e milhares de ramificações.
Pai: Sim. Me parece que é assim. Não sei. De todo jeito, penso que essa é a maneira mais clara de expressar. Quero dizer, acredito que é mais claro que essa fala sobre os pedacinhos de conhecimentos e de como contá-los.
Filha: Papai, por que não usas as três quartas partes de teu cérebro?
Pai: Ah, sim! O problema é que eu também tive professores na escola. E eles encheram de confusão quase uma quarta parte de meu cérebro. E depois li jornais e escutei o que diziam outras pessoas, e isso encheu de confusão outra quarta parte.
Filha: E o outro quarto papai?
Pai: Oh, essa confusão a fiz eu mesmo quando tentava pensar.
* Texto adaptado de BATESON, Gregory. Passos hacia una ecologia de la mente. Buenos Aires, Editorial Planeta, 1991