domingo, 23 de agosto de 2009

Vítimas produtoras da indiferença

Texto enviado por nossa amiga: Itaraci Arauo (itaraciaraujo@hotmail.com)

Revista Caros Amigos

Vítimas produtoras da indiferença
A violência tem nos imposto decisões cruéis: estamos entre o medo e a necessidade de existir; entre a indignação e a indiferença no conviver. A causa maior da brutalidade dos atos, principalmente, entre e dos jovens tem raiz no fracassado processo educacional (e não digo apenas em relação às escolas) e no descaso das instituições e dos indivíduos do verdadeiro papel social e político aos quais todos, de maneira direta ou indiretamente, somos responsáveis.

De um lado, temos comunidades carentes de alimento, de cultura, de trabalho, de educação, de lazer, de amor e, de outro, uma sociedade insatisfeita, insegura, omissa, egoísta, que se julga vítima e acuada, sitiada em um mundo que se esgueira à margem da ebulição da “massa” que a qualquer momento parece explodir. Se as escolas públicas e seus professores e os pais se veem perdidos com o que fazer para “atrair” a atenção dos jovens, se sentem desestimulados em passar conceitos e valores que os tornarão homens de bem, nas escolas particulares esses parecem conseguir, até certo ponto, realizarem essa proeza com pertinaz eficácia.

Eficientemente?! Talvez. Afinal, há uma consciência quase que coletiva e porque não dizer histórica (faz parte do discurso das elites) da importância em se tornarem profissionais elitizados, todos querem ser sujeitos de sucesso (isso significa fama e dinheiro): médicos, advogados, fisioterapeutas, físicos, engenheiros, arquitetos, psicólogos, biólogos (nessas instituições particulares praticamente ninguém fala em ser professor!).

Isso é ótimo! (não o fato de não quererem ser professores!) Afinal, são as elites que tem acesso a um ensino de qualidade, podem competir entre si para conquistar as mais disputadas vagas, podem ocupar as mais desejadas cadeiras das universidades e, a partir de então, formados, e exercendo brilhantemente suas profissões, os médicos poderão atender nos grandes hospitais os feridos, vítimas da guerra urbana que atinge caoticamente por meio da violência os indivíduos de bem (ou não); os advogados estarão às portas das cadeias para tentar discriminar ora os bandidos impiedosos do tráfico e das ruas que acuam e assaltam e ferem e torturam e matam, ora os grandes chefões disfarçados de políticos que roubam e desviam e corrompem e exploram a população ignorante ou passiva; os engenheiros e arquitetos trabalharão para elaborar moradias que são verdadeiras fortalezas de proteção, refúgio seguro para seus filhos, sua família, para aqueles que podem pagar; os fisioterapeutas, os psicólogos terão muito trabalho perante uma sociedade doente, deprimida, amedrontada, muito pânico para ser superado; os biólogos e químicos trabalharão exaustivamente para produzir remédios cada vez mais eficazes para curar a alma e o corpo dos adoecidos; enfim, cada qual estará muito ocupado para olhar para as mazelas que envolvem a humanidade, para responsabilizar-se por quem e o que quer que seja. Isso tudo porque foram “treinados”, direcionados a introspectivamente observarem somente o mundo paralelo para o qual foram condicionados e que faz parte de sua realidade.

Infelizmente, na maioria das escolas particulares, os futuros homens aprendem a cuidar apenas daquilo que poderá causar ou gerar prazer, bem estar pessoal, conforto para si e para os seus. O resto, bem o resto, não é responsabilidade deles, são apenas culpados pela própria sorte. Parece também não ser responsabilidade do professor (muitos nos demonstram isso) fazer com que essa cultura permaneça. Não parece ser da responsabilidade do professor contribuir para humanização de seus alunos, o que importa são os números, o bom professor é aquele que propicia a entrada nas faculdades e este tem sido seu maior desafio. Não importa se os futuros médicos se preocupem com os míseros adoentados que amontoados nos corredores agonizam a espera da sorte; que os futuros advogados não sejam ativistas que lutam, não para defender os grandes mandantes, mas para incriminá-los e exigir que exerçam com honestidade seus mandatos; que os arquitetos e engenheiros não busquem soluções para uma morada digna e uma vida saudável; e que os laboratórios por meio dos seus brilhantes químicos e biólogos não encontrem soluções para a cura de doenças e hábitos saudáveis de vida; e, que os psicólogos tratem apenas da alma daqueles que padecem transtornos e pagam caro por uma sessão.

Talvez, isso tudo seja consequência do simples fato de que o professor tenha deixado de ser o Mestre e de que o aluno deixou de ser Discípulo. O Mestre é aquele que ensina algo a mais do que conhecimento, ele é espelho, portanto, desperta o desejo em “tornar-se igual a”; já, o professor parece despertar pena, tão insignificante tornou sua presença na sala de aula, principalmente, com a chegada dos sites de busca que diferente do professor domina todas as matérias e tudo sabe, sempre tem não uma, mas muitas respostas e com uma rapidez impressionante!

É preciso que as universidades formem Mestres e que estes sejam preparados para falar, discutir, apontar, orientar e aconselhar sobre questões que envolvem o valor da vida, o respeito ao próximo, a preocupação com o outro...que as matérias mais discutidas sejam as causas dos problemas, a falta de solidariedade, o desamor, o mal... e, que num futuro próximo, o grande problema a ser resolvido seja o excesso de amor e não a indiferença a ele.
Maria Ilza Zirondi é Professora e Doutoranda em Estudo da Linguagem

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